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O inverno se anuncia pelo vento frio nas esquinas de New York. Chego em casa, penduro as chaves no suporte ao lado da porta, acendo as luzes, e largo a bolsa no banquinho ao lado do sofá. Tudo igual, não fosse o cheiro de pão de queijo que se faz presente. Estranho, mas logo penso que não sou a única mineira morando na Big Apple.

O aroma me causa fome. Sem muita opção, pego um tomate temperado com sal para comer, e embora esteja preocupada com meu emprego na universidade no próximo semestre, o tal cheiro me abre outras portas. Constato que há muito tempo não compro sua versão congelada, aquela vendida no mercado de produtos brasileiros, e muito menos preparo a massa em casa. Meus pensamentos voltam para o trabalho, para aquela reunião da aprovação de aulas, da qual saí sem nada definido.  Apago as luzes da cozinha, pego minha bolsa e me dirijo ao quarto. “Mas que diabo de gente assa qualquer comida às onze e meia da noite?”

Lembro-me da casa da Paula e dos deliciosos pãezinhos de lá. “Nossa, por onde ela anda? Os da sua casa eram muito bons. Que saudade!” Lá eles sempre mantinham uns prontos, e, mesmo estando guardados, eram saborosos. Mas acho que nem eles assavam alguns às onze e meia da noite. Na minha casa, não tinha comidas prontas gostosas. Eu me virava com o que encontrava disponível, e achava um paraíso casas como a dela, onde sempre havia um bolo na mesa da cozinha ou uma lata com biscoitos caseiros.  “Ai, que vontade de comer aquele pão de queijo.” Sinto falta da Paula, das comidas e daquela fase das nossas vidas. Éramos muito próximas, mas depois que vim morar aqui, fomos perdendo contato, e nossas vidas tomaram rumos distintos. Nunca mais a vi. Por onde será que anda?

Perdida nas ideias e com o corpo no modo automático, me lanço na ducha. Esse é um ritual que mais me liberta do que me prende. Depois, com minhas mãos cheias de creme passeando pelo rosto, presas a outro ritual, cuido do meu último passo antes da cama. Mas quem disse que o sono chega? Mastigo os problemas do trabalho, junto com aquele cheiro que não passa, e o Gui brota nos meus pensamentos.

Como seria bom tê-lo aqui comigo. É provável que estivéssemos à mesa conversando e comendo pão de queijo. Ele animaria assá-los no meio da noite para matar minha vontade, pois certamente teríamos alguns congelados feitos por nós.

Viro de lado na cama, a cabeça fervendo de ideias que acabam viajando para a cozinha da casa da minha avó. Da cama, vou para o banquinho que tinha ao lado da pia dela, onde eu gostava de ficar enquanto a Maria, sua ajudante, misturava o polvilho com o leite bem quente. Aquele odor azedo me provocava um certo enjoo, mas era o anúncio que a hora boa de sovar a massa estava chegando. E depois desse serviço bem feito, eu e Maria esfregávamos juntas as mãos para dali, do meio, saírem bolinhas simétricas, que iam direto para o forno. Nessa época, eu brincava que seria professora e vendedora de pão de queijo. “Estranho, esta ideia parecia tão adormecida.”

Nutro-me da minha infância ensolarada, da chácara onde minha avó morava, da vida mais lenta, menos complicada e de quando eu tinha tempo para conviver com a minha família e com o Gui. Ele se cansou dos Estados Unidos; aprendeu o que tinha que aprender, e foi brotar sementes junto das raízes dele, no Brasil, depois de ficarmos por oito anos juntos, aqui. Viver em New York ainda me satisfaz, mas parece que hoje começo a sentir fome de outras receitas.

Johanna Homann

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