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Sinto que preciso parar de pensar pra as ideias fluírem naturalmente, e mesmo assim meu raciocínio lógico, cheio de razão, quer entrar na frente e achar uma explicação pra tudo que estou escrevendo. Passo então a digitar sem a menor preocupação de ter uma história na cabeça. Tudo isso parece sem sentido para mim, mas mesmo assim me conforta pensar que terei a companhia de alguém até o fim deste texto, mesmo que seja a minha, se ele de fato chegar até o fim.

Queria ter daqui uma história pra contar, uma emoção pra dividir ou mesmo uma reflexão, mas então ganha força a censura, a dúvida e aquela velha conversa de quem iria se interessar por isso. Não sou herói em nada, não tenho raiva demais, não vivo grandes aventuras; só tenho mesmo essa vida pacata, diante de um computador, tentando criar motivos para me ocupar escrevendo.

Li outro dia um texto em que a autora relatava um dilema que viveu com uma lagarta, e por trás da trivialidade, outros assuntos brotaram. Ela contava a história, o que viveu, o que sentiu e, a cada parágrafo, mais lagartas surgiram, mesmo sendo uma só. E, em mim, a palavra lagarta como repetição me fez torcer para a sua extinção. Já sei que rima não é muito bem-vinda na crônica, mas também buscando uma escrita fluida e sem invasão da lógica, não consegui nada mais rápido pra contrastar repetição com a minha vontade de sumir com a lagarta. Não sei por que, mas eu não gosto de lagarta. Só de lagartixa.

Nem sei de onde vem esse gosto por lagartixas; acredito ter ouvido que elas se alimentam de pernilongos. Como sou alérgica à picada deles, qualquer recurso que eu tenha para eliminá-los, me soa como uma boa opção. Por isso, não tenho nojo delas como a maioria das pessoas têm. E de um tempo pra cá, tento poupar a vida de qualquer bichinho, pois planejo fazer um retiro de dez dias quando a quarentena acabar, e lá vou ter que me comprometer a não matar nenhum ser vivo durante o período. (Só penso em como minhas pernas ficarão inchadas!) Outro dia, cheguei a salvar uma barata, bicho que sempre matei sem dó nem piedade. Mas ando me preparando pro tal retiro que nem sei mesmo se vou. Assim como continuo escrevendo sem saber para onde estou indo.

Assim como continuo vivendo, na maior parte do tempo em casa, sem saber que mundo vou encontrar quando a pandemia passar. Às vezes, imagino cenas de final de filme de ataques zumbis, onde vamos reencontrar os vivos, e todos com cara de mortos desconfiados. Penso que minha adaptação será mais difícil do que a do início da quarentena – descobri que gosto de ficar em casa e quanto tempo meu escorria pelo trânsito afora. Embora a vida fora de casa me desse mais enredos para crônicas, sigo de casa fazendo cursos que eu nunca faria, com pessoas que eu jamais conheceria, e assim sigo inventando assunto para continuar escrevendo.

E nesses cursos online, além dos rostos dos meus colegas, tem também o meu rosto que fico olhando, e acho isso esquisito, pois pela primeira vez estou me enxergando como se eu fosse uma outra colega, descolada de mim, pois vejo minhas expressões em público, e não apenas quando estou sozinha no banheiro. E daí, sigo fazendo histórias.

Johanna Homann

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