0

Aos 12 anos ela queria muito usar óculos. Havia chegado aquela idade em que o olhar romântico embaçava, e desconfiou sofrer de algo nas vistas. Na escola, tinha algumas amigas; umas mais próximas do que as outras, mas nenhuma muito íntima. Dançava ao som de música lenta com meninos quando era convidada, começava a ter aulas de orientação sexual na escola e saía das asas da professora primária que ainda era chamada de tia. Foi naquele ano que ela espichou, que mudou sua posição na fila, saindo do terceiro lugar e ficando com as mais altas, lá no final. Seu corpo todo estava mudando e estava doendo.

Sim. Ela precisava de óculos. Na consulta à oftalmologista, entre mil perguntas anasaladas da médica, este ou este daqui, ela não se sentia segura pra dizer o que enxergava, e qual era a melhor opção. Saiu da consulta com uma indicação para usar óculos: 0,75º de hipermetropia; uma visão assim meio desfocada quando se olha muito de perto. A mãe, mesmo relutante por um grau tão pequeno, providenciou a armação e lentes que escureciam de acordo com a luminosidade, quase tapando o sol com a peneira. A mãe não aceitava que a menina estava crescendo.

Naquela idade, tudo estava sendo descortinado, ou pelo menos começava a ganhar um filtro mais seu: os óculos compunham o visual, mas também a auxiliavam a se ver com mais segurança. De perto, sua vida não era mais tão cor de rosa e ninguém a via do jeito que ela queria. Os pais seguiam a vida deles, ocupados com muito trabalho a ponto de não terem muito tempo para discernir nem de perto nem de longe o que se passava de fato com ela. Talvez eles fossem míopes ou usassem as tais lentes que se ajustavam com a luz; apenas vislumbravam algumas mudanças.

No meio do ano, pegou recuperação em história; a matéria era feudalismo. Ela não conseguia entender todo aquele mecanismo de defesa e proteção que se faziam necessários no contexto da época. Aquilo não se encaixava em sua vida: em casa, não sofria ataques violentos, portanto não precisava de tanta defesa. Ou talvez fosse o problema para ver claramente o que estava perto; os pais sustentando um muro invisível que a protegia contra todos os males de fora, sem muita possibilidade de argumentação do lado de dentro. Algumas questões sobre sexualidade e autoridade eram abafadas, embaçadas. Por exemplo, nas raras festinhas que os pais a permitiram ir, ela não era capaz de perceber que os meninos com quem dançava estavam tão inseguros quanto ela. Ela nem entendia os motivos de ir em tão poucas festas. Tudo vivido dentro da segurança de um muro particular.

Aos poucos, foi tendo que admitir que suas questões não eram apenas com os seus olhos. Foi aprendendo a romper com a barreira que os pais lhe impunham contra o real que ela ansiava de conhecer. Seu corpo ganhou forma, ganhou força para bater o pé pra conseguir bater asas. Com os anos, as amarras foram se rompendo. Com muito jogo de luzes e sombras ela foi crescendo, os óculos lhe acompanhando. Não manteve o mesmo. Além da hipermetropia, passou também a ter aquele outro problema, astigmatismo, que forma mais de um ponto. Na vida, passou a considerar mais, outros pontos de vista. Superou alguns obstáculos, sua vista alcança mais longe e ela segue aprendendo a ter menos defesas com as diferenças.

Johanna Homann

Author Johanna Homann

More posts by Johanna Homann

Leave a Reply