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Aqui com Rubem Braga

Estive ontem à tarde em companhia do Braga; ter passado um tempinho com ele me fez caminhar num outro ritmo, e passear por outros tempos. O encontro foi na poltrona do meu quarto, quase uma conversa entre amigos.

O seu tom aproxima. Ouvi mais do que falei, e não deixei de viajar por uns cantos diferentes da minha vida. Depois de muitos anos, fui a Guarapari, ali do lado de Cachoeira do Itapemirim, a cidade-natal dele. Voltei para uma temporada de 30 dias que passei por lá, com a família da minha amiga e depois com minha mãe e irmãs. Lembrei-me de um tempo que a gente não tinha muita coisa para fazer: era praia de dia – ora lendo um livro, ora brincando com cachorros, heróis e elefantes feitos de nuvens – soneca depois do almoço, e sorveteria à noite. Não recordo de dietas naquela época, de culpa por comer demais, nem ter que queimar o que comeu em cima de uma esteira. Tinha sim, algumas partidas de frescobol com umas táticas de paquera. A praia não ficava tão cheia, e de longe a gente avistava uma turminha de rapazes se aproximando – nessa hora, quem estivesse de frente isolava a bola para provocar uma conversa, caso um dos rapazes resolvesse pegar a bola. Com sorte, o sorvete da noite tinha um sabor especial.

Lá, naquela época, para se manter conectado, só mesmo estando na frente de alguém, pois ligar era difícil, e celular nem pensar. Na primeira quinzena, eu fiquei com a família da minha amiga, e telefonava para minha mãe duas vezes por semana. A gente ia até a empresa telefônica e dava o número de casa para a telefonista. Depois da longa espera, uma breve conversa. Tá tudo bem sim. Não, o dinheiro não acabou. Vocês chegam dia 16 mesmo? Beijos, te amo. A conversa precisava fluir. (Geralmente isso não acontece hoje quando recebo breves mensagens dos meus filhos quase que em símbolos – mas isso deve ser pela falta de tempo deles, ocupados com séries, dietas e ginástica). Com o preço da ligação, a gente precisava ser objetiva, focar no que era importante pra ser dito, pois não dava pra pagar o tempo de dizer: o que eu ia te falar mesmo? E também, porque o tempo gasto na cabine da loja podia tirar o tempo do sorvete. Boas memórias, e tudo vindo ali do Espírito Santo, do Braga.

Minha família não era de lá, mas como a do Braga, veio de Portugal, e assim como a dele, não era da parte dos que tinham luvas, garçons e chá – embora agisse como se tivesse. Mas Braga herdou delicadeza, e noto como ele aborda diversos temas, inclusive sua família, me fazendo pensar que a grandeza de uma pessoa mora nas suas ideias e na forma como ela as conta. Ler suas crônicas é como estar com ele, lado a lado, sem nenhum exibicionismo. Não é papo sério, mas também não é raso. É jogar conversa fora imaginando estar sentada numa cadeira de praia, com os pezinhos na beira do mar, ondinha leve batendo, no final de uma tarde sem mosquito. Daquele papo fico tentando observar o meu jeito de enxergar o mundo e como posso contar isso de uma forma mais leve, assim como deve funcionar uma crônica, sem luvas, garçons, mas que pode ser acompanhada por um singelo chá.

 

Johanna Homann

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