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Era uma vez um menino cheio de energia, que tinha como vizinha uma montanha. Ele se sentia muito forte, cheio de coragem, acreditando ser maior do que ela. Do jardim da sua casa sempre muito explorado, ele a olhava garantindo que um dia faria uma visita ao seu topo.

O pequeno foi crescendo, o jardim ficando pequeno, a escola se tornando seu novo brinquedo. Ele era o líder diante dos colegas, o rei das atividades. Mas aos poucos, foi se deparando com preguiça, medos e frustrações. Embora fosse mais alto do que antes, ele se sentia um pouco menor do que sua amiga de terra firme. Do seu jardim, que agora frequentava esporadicamente, apenas confabulava com menos encantamento: um dia ainda vou te escalar.

O menino tornou-se rapaz. Brincadeira era atividade do passado, aventuras apenas as do videogame. A escola chata exigia mais e mais. Os cuidados dos pais eram dispensados por ele. Porém, crescer, crescer de verdade mesmo, ele também não queria. Da sua janela, via a montanha, parecendo maior do que nunca. Como pode? Escalar aquela altura toda? Isso daria muito trabalho. Um dia eu vou de moto.

Mas a vida foi passando, e o rapaz sempre adiando entregar o que a vida pedia dele. A curiosidade foi diminuindo; buscar respostas era trabalhoso. Os pais sentiam falta daquele menino curioso, já que este ficava apenas opaco no quarto jogando. Como atrair o menino para explorar, questionar e ir em busca de respostas? A mãe conversava com ele sem muito sucesso. O pai fazia o que estava ao seu alcance, se oferecendo para sair com ele, praticar esportes, ou mesmo assistir a um filme juntos. Mas nada adiantava. A fantasia o desnudou. Ele não queria arriscar e fracassar. Sou fraco e não tenho ânimo para nada.

Ele já estava entregando os pontos. Não lutava mais por ponto algum na escola, e se escondia em todas as barreiras dos jogos de videogame. Um dia, se pegou olhando para aquela montanha e riu de si mesmo ao lembrar que um dia ela foi pequena. Ele não fantasiava mais como naquela época, mas pensou:  não sou maior que ela, mas posso arriscar conhecê-la. Abandonar o conforto do quarto, dos jogos zerados, e viver uma vida de carne e osso, com sangue de verdade correndo pelo meu corpo.

Considerou fazer as pazes com o passado e enfrentar a vida de verdade. Preparou uma pequena mochila e foi ao encontro da vizinha. Embora, o sonho era saber o que tinha do outro lado, ele admirou-se com os passos dados nesta direção. Seus olhos se encantaram com tocos de árvores, (um dia, espadas valiosas), o canto dos pássaros, (um dia, por ele classificados), com penas de aves perdidas, (preciosos presentes para a sua mãe no passado). Tudo era uma conciliação com a sua própria natureza. Chegar ao topo foi magnífico, não apenas pela beleza, mas também por olhar para trás e ver que deu conta.

Não, ele não deu esses passos. Ele não escalou a montanha, mas pelo menos, desligou o videogame, tirou os chinelos, calçou um tênis.  De bermuda e camiseta, foi pra rua. Pegou sua identidade, as chaves, trancou a porta e foi dar uma volta na cidade. Perto de casa olhou pros prédios que até aquele momento foram indiferentes, deu passos em caminhos conhecidos, ouviu os barulhos de sempre tocando em um novo arranjo, e reparou cheiros até então neutros. Parou de se esconder de si mesmo e foi pra vida. Caminhou por um tempo e trouxe pra dentro dele aquela harmonia que sentia com a amiga, e pensou que um dia iria, sim, fazer alpinismo.

Johanna Homann

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