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Dali, sentada, tricotava mais uma gola para cumprir a lista de presentes de Natal. Seu marido deitado na cama, cabeça apoiada nos braços dobrados, assistia a mais um programa gravado – dessa vez, Globo Rural. Ela não gosta muito de TV, mas de vez em quando assiste e fica no quarto fazendo outra coisa para não ter a sensação de perda de tempo. Naquele dia, tecia uma trança, e contava os pontos meia e tricô formando o desenho apenas alterando a sequência em cada carreira, com o apoio da agulha auxiliar. Entre uma laçada e outra, ela olhava para a TV e via dicas de poda e os tipos de serrote para executar o serviço. Ela percebeu que há podas extremamente benéficas, que dão força pra planta crescer.

 

Ela e seu marido estavam casados há mais de vinte anos. Em pouco tempo, teceram o início deles: o namoro havia sido breve, e em seis meses ficaram noivos. Eram de mundos diferentes: ela, de muitas festas com os amigos, ele, de pequenos jantares; ela, de viagens à lazer, ele, de congressos. Aos pouquinhos, foram compartilhando cinema seguido de festas, jantares para poucos amigos em casa, e daí foi um pulo para dividirem o mesmo espaço; um sendo o auxiliar afetivo do outro. Mas o tal medo de perder foi se avizinhando. A saída dele sem ela, o sorriso gratuito dele para outra pessoa, o medo do encanto dele tombar por outra pessoa passaram a ser companhias fiéis a ela. De leve, ela passou a ser desconfiada.

Em um dos dias, já casados, ele voltou pra casa um pouco mais tarde do trabalho, e ela em casa tentou costurar sua raiva e insegurança a um sorriso forçado de boas-vindas. Oi, amor, chegou tarde hoje! Rapidamente, a máscara descolou e a briga começou: levantou-se do sofá e seguiu atrás dele. No mínimo, deve ter tido a vontade de fazer hora extra, e acho difícil de acreditar que tenha sido sozinho pra atrasar tanto assim a sua saída. Ou então, nem foi no escritório – talvez tenha tido tempo de passar em algum outro lugar. Acusações brotando de todos os lados dela foram rapidamente podadas por ele. Nem atrasei por causa do trabalho — lembra que te falei que estou precisando comprar um capacete novo pra fazer minha bike? Não achei que você ia esquecer; parecia tão animada pra eu começar a te acompanhar! Vem, vamos jantar. Achei que já tivesse jantado e nem se lembrou de me avisar, ela queixa. Vem, diz ele, já passando o braço pelos seus ombros, não deixe seus medos tomarem conta da nossa história. De frente pra ela, ele acrescenta; eu já te disse que o dia que eu não quiser mais estar ao seu lado, eu vou sair. Não vou te enganar. Não me confunda com suas histórias lá de trás. Eu estou aqui, agora, do seu lado!

Uma a uma, as dúvidas foram sendo serradas com manejo. Ele sabia que a raiz não era ali, daquele dia. Cada galho fora do lugar foi sendo arrancado pra história dos dois juntos ganhar mais força. E como ele era habilidoso na arte de podar: ele a ouvia, e eles conversavam. O ciúme, que crescia dentro dela como um serrote a ponto de encerrar a relação, foi usado por ele para podar os excessos dela.

Ela voltou sua atenção pro tricô e quando percebeu, já passava outra reportagem na TV, nada de poda, enquanto sua trança já estava no ponto de arremate.

 

Johanna Homann

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